terça-feira, 30 de setembro de 2008

Cheiro de Mofo


(Photo by XFarFromHavenX)


"Os rascunhos acumulados. O cheiro do mofo faz coçar o nariz. Espirro atrás do outro. Com nojo setindo o corpo rejeitar estar ali. Sua frio. A ponta dos dedos deseja saber. A vontade de coçar-se juntamente com a impossibilidade de, pois, tem consciência de que seus dedos estão cheios do mofo, das palavras ali esquecidas." (Clarice Lispector)


E quando a gente chega a pensar no cheiro de papel velho que guardamos nas gavetas? Às vezes a gente esquece os papéis lá e o tempo passa. Quando mal percebemos o cheiro de mofo é tão grande que queremos limpar. Passar pano molhado, seco, quente, não importa. O que importa é que queremos nos livrar do cheiro de mofo.
– Amanhã eu vou acordar cedo para limpar essas gavetas – Penso alto.
O dia seguinte chega e você acaba esquecendo. Assim os dias vão passando. Você acorda tarde, vai trabalhar e chega cansado. Dá uma olhada nas gavetas, remexe os papéis, acha umas fotos velhas mas não limpa. Sempre uma desculpa ou outra para não jogar os papéis velhos fora.
Não saber rever ou escolher o que fica, o que sai. Tão difícil é se livrar desse cheiro de mofo.

E. Alvarez

domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio

leve-me às ruas escuras da sua mente.
leve-me ao teu colo incerto
deixe-me ver seu olhar quase pálido destruído pela noite.
deixe-me ser o gosto amargo da tua dose de whisky mais barato.
seja minha ilusão disfarçada de bem-querer.
seja meu motivo de cama vazia na manhã seguinte.
e assim...meu melhor ensaio de amor.

E. Alvarez

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Hiato Criativo

Sempre acordo com certas vontades enlouquecedoras: tomar café, fumar um cigarro, escrever, fazer amor ou até tomar meu melhor Whisky sem gelo. Coisas assim. Aqui em Curitiba as manhãs são geralmente muito frias nessa época do ano e é difícil acordar pensando nas coisas mais comuns da vida. Aquelas do tipo...eu tenho que arrumar a casa...tenho que fazer a contabilidade do mês de julho da empresa.
Ao sentar sozinho na minha varanda percebo que a minha dificuldade mesmo, nesses últimos dias, tem sido escrever. Tudo se resume a um hiato criativo. Tenho olhado as coisas nas ruas, visto pessoas inspiradoras, provado comidas diferentes, viajado bastante e até mesmo ensaiado sentimentos parecidos com amor. Mesmo diante de tais elementos eu realmente não consigo me concentrar para escrever. Sinto uma necessidade enorme mas quando chego ao meu apartamento, simplesmente não consigo. Às vezes, da maneira mais solitária, passo o fim de semana em Paranaguá. Tento até que o friozinho serrano me inspire. Sempre quando me deparo com a velha folha em branco,vem o desespero. Começo a pensar no futuro e na minha empresa de contabilidade. — Que funcionário vou demitir amanhã? – Penso.
É engraçado , o tempo passa e a gente com as mesmas preocupações idiotas, e o que nos é real , o que necessitamos vai sendo substituído por aquela vontade de ser alguém socialmente-burocraticamente- massacrantemente falando. E você não percebe que na verdade você já é alguém e que esse alguém que você busca não é você.
Eu já não sei. Foram quarenta anos fugindo de mim. Relacionamento falido por medo de amar, frustrações perturbadoras, perguntas sem respostas. Não, não sei o que o tempo me dará. As vezes me pergunto se ainda há tempo. Tempo para escrever, para fazer teatro, para assisti Cinema Paradiso, tempo para amar. Não sei, mas essas perguntas vêm me perturbando a cada dia que passa. Os números se misturam com a sede de palavras que fogem ao papel. Minha mente é invadida por cálculos matemáticos que rasgam meu cérebro.
Eu venho enlouquecendo. Tenho certeza. Os meus sonhos vêm sendo esmagados pela minha escravidão aos números. Todo dia a mesma coisa: balancetes, fundos, lucros, perdas. E sei que aos poucos, quando eu menos perceba, eu vou acordar sem lembrar que um dia eu escrevi, que um dia eu fui o que eu quis, vivi sob nuvens sonoras, que as cortinas se abriam. Hoje vivo atrás de uma coxia e espero que não me falhe tanto a memória, pois eu certamente corro o risco de acordar sem saber como é amar.


E. Alvarez

segunda-feira, 1 de setembro de 2008