quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Carta à Maya

São Paulo, entre novembro e dezembro de um ano qualquer.

Ao som daquela nossa música do Chico...

Minha [só por hoje] Maya,

"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse
telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo
conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo...” (Caio F.)


...............É verão e já não agüento mais ficar trancafiado neste apartamento. O calor de São Paulo nesta época é insuportável. Você sabe, fico enjoado demais no verão. Esse calor mexe com meus nervos! Pensei em sair, pegar um vento, ir atrás da Augusta ou da Madalena, mas nem elas me satisfariam nesta tarde. Adiei, adiei, mas te escrever tem sido uma urgência. A saudade é grande! Onde você está, Maya?? A vontade de te encontrar desespera. Já que isso não vai acontecer, escrevo. Ahhhh, Maya, esperei te encontrar, esperei te encontrar! Tentei até escrever para outras pessoas, mas não deu. Trocar o destinatário seria fácil, já o que sinto, não. Cartas podem ser amorosas, desesperadas, inconseqüentes, safadas ou tristes, mas devem ser primordialmente sinceras. Vejo carta como algo sagrado. Chego até ter ciúmes das palavras que escrevo. Sim, ainda sou daqueles que escrevem cartas. Hoje em dia, tudo é muito virtual, até o sexo, e pior, o amor. As pessoas transam com blogs, fotologs, mostram o casamento no orkut, se alimentam de facebook e dão uma rapidinha pelo twitter. Nossa, ainda não me acostumei com aquele bagulhinho de 140 caracteres. Eu escrevo demais. Maya, ainda está aí? Espera, a carta não é muito longa! Não esta, prometo!
...............Calma, Maya, só por hoje tenha paciência de me ler. Vou começar a dizer algo que preste agora. Preste atenção, mas não ligue para a bagunça das idéias! Sou um homem totalmente desorganizado, até com as palavras. Entenda... desde ontem que faço tudo que tenho que fazer com os retalhos desta carta dentro de mim. Sufocava!! Essa é a verdade. Precisava mesmo escrever! Dói, sabe? Sei que não vai receber esta carta, como nunca recebeu nenhuma nestes quase últimos três meses. Eu nunca mandei, mas eu prometo que esta é a última. É a última, Maya, é a última, é a última mesmo. Perdoe-me se repito isso, mas eu preciso dizer, mesmo que só aqui, mesmo que só agora. Amanhã, eu guardo a carta, vou no cinema, trabalho feito um louco, vou num boteco e esqueço tudo. Eu já decidi.
...............Eu sei que nada disso que escrevo pode fazer sentido, mas eu preciso inventar alguma coisa nesta tarde... até exagerar!!! Quando se escreve, tudo pode!! Os vizinhos já não me deixam em paz, o telefone não para de tocar, a criança do lado grita, não consigo fazer o balanço da empresa. Não me concentro!!! Pior, acabou a vodka. O caos foi posto!! Espere, vou colocar Chico. Pronto. Chico. Chico, sem vodka? Não importa, vai sem vodka mesmo. Vou me enganar com aquele refrigerante de limão já sem gás que está na geladeira. Sim! Ainda sobre Chico... é ele que me faz lembrar melhor da sua existência. Você pode me perguntar que música dele me lembra mais você. Nunca diria, não aqui, não nesse pedaço de papel. Boto Chico e quase sinto você perto de mim. Foi assim durante dias. É assim agora. Amanhã, procuro na rede qualquer discografia dessas bandinhas novas, boto para tocar o dia todo, faço o balanço da empresa e tudo volta ser como era. É que hoje eu quero assim. Só hoje. Hoje é Maya.
...............Não me chame de louco. Posso até ser, mas sei que ninguém te inventou como eu. Nunca duvide disso. Já te vi? Não tenho certeza. Vi? Se vi, lembro da primeira vez. Lembro, lembro, lembro!!!! Ou lembro mais da segunda? Não sei. Eu sou homem e homem não organiza lembranças. Melhor assim, nesse emaranhado todo. Até gosto mais. Acho que me lembro do seu rosto. Dos detalhes dele? Não, nunca os senti. Sim, lembro bem dos olhos e o do sorriso. Estes filhos da mãe ainda estão impregnados na minha mente. Eles me fizeram inventar você. Amanhã eu os esqueço de vez. Já anotei na agenda.
...............Maya, eu tenho dores no estômago. Eu sei, já já passa. Amanhã.
...............Olha, a única coisa que te peço é que me deixe falar tudo. Sim, já disse, esta é a última carta. As outras estão aqui. Pensei em rasgar todas ontem à noite, mas não tive coragem. Lá estão as coisas que a gente não viveu. Lá tem aquela viagem pra perto que a gente não fez. Preciso proteger minhas fantasias, Maya, mesmo que em rascunhos. Não, não me tire esse direito! Só amanhã. Sobre as cartas, não se preocupe, não as jogarei fora. Talvez um dia você ache todas por aqui. Talvez um dia eu as leia para você. Não, isso não vai acontecer. Isso, confesso, nunca inventei. Maya, fica aí só mais um pouquinho e talvez eu te diga tudo.
...............Eu sei, eu sei que esta carta está tão mal escrita como tudo por dentro de mim esta tarde. Ainda bem que é a última. Eu já não aguentava mais. Você não as lia e eu não suportava mais teu silêncio.
Eu queria te dizer tanta coisa, mas eu não sei como. Tudo que tenho é um estômago que dói, Chico, e a minha vontade de você. Acho que vou sair pra comprar vodka. Nem sei se já é noite.
...............Preciso acabar esta carta, mas preciso, antes de ir, e só hoje, falar dessa minha vontade de te ter... dessa minha vontade idiota de ficar, ao menos uma vez, mudo perto da tua orelha. Ah, como penso nisso, como penso na minha mão apertando tua cintura. Essa é a visão que mais invento. Cada noite invento um aperto diferente. Ah, Maya, Como vivo inventando o gosto da tua boca, de cada parte tua. Perdoe-me, é que tem uma música de Chico aqui que me deixa assim, dizendo essas coisas que não tem limite.
...............Você não sabe, à noite é a hora que mais te invento. Consigo ver teu corpo perto do meu. Fecho os olhos, sinto o cheiro dos suores se confundindo, vejo os movimentos em random das nossas pernas. Elas se entrelaçam, parecem dançar. A verdade é que penso nas coisas mais bonitas e nas mais sórdidas quando penso em você. Queria te levar lá no Horto Florestal. Já foi? Quando surto com a Paulista corro pra lá! Deitaria naquela grama macia com você fim de tarde. Faríamos silêncio. Depois de te levaria pra jantar. Não vou mentir, não sou romantiquinho o suficiente para só querer te levar pra jantar. Eu quero você antes e depois...quero pronta para o café da manhã. Meu Deus, isso soou meio Roberto Carlos, não foi? Releve.
...............Perdoe-me, Maya, não quero ser grosseiro, mas meu corpo também quer escrever sobre o seu. Só hoje, agora, amanhã não. Não vou repetir nesta, as coisas que escrevi nas outras cartas. É que eu inventava melhor teu corpo há dias atrás. Dava para sentir você me tocando. Ah, Tenho estado cansado de um corpo que não tive. Demoro a dormir, acordo cedo e vou trabalhar. Chego no trabalho, tomo aquele café HOR-RO-RO-SO, sorrio, leio o horóscopo [qual é a sua lua, Maya???] e até dou aquelas cantadas idiotas nas minhas colegas de trabalho. Fica tudo tão bem.
...............Essa carta está ficando cada vez pior. Preciso terminá-la urgentemente. Acho que disse tudo. É que não sei escrever direito. Perdoe-me, sou brega, até com as palavras. As outras coisas que escrevi estão nas outras cartas, já disse, não foi? Sabe que te escrevi um poema dia desses? Não ria! Fiquei envergonhado. Li só uma vez e depois guardei dentro do livro que mais gosto. De lá ele não sai. Sei. Nunca te entregarei. Ninguém pode ver, Maya, ninguém. É teu.
...............Vou sair agora, deu vontade de ir na Augusta. Dá tempo. Você sabe, tudo ainda dá tempo por aqui.
...............Diria mais, mas já é quase amanhã. E sobre amanhã, você já sabe.
...............Um beijo, o último, grande, tolo, inconseqüente,







...............Ahhhh, Maya, teu corpo é caminho para onde nenhuma estrada me leva.











E. Alvarez