domingo, 21 de outubro de 2007

Quando atravessei aquela Rua

(Para ler ao som de "Light my Fire" - The doors)



(Nix, deusa da noite (William-Adolphe Bouguereau - La Nuit (1883))

Noite é quando me despedaço e nem sei onde meus pedaços foram jorrados. Cada um numa calçada, cada pedaço inteiro de mim. Cada sentir indefinido. Cada suspiro. Cada grito não dado. Cada pedaço de mim, me assustando e me fazendo feliz.

Quando a noite chega, chega o que em mim não conheço. Quando atravesso a madrugada naquela rua larga e te encontro eu não sei aonde vamos mas eu sinto que você pode, que você pôde ou que poderia me levar de alguma forma. Você decide me levar e eu não me importo como. Eu apenas fui. Fomos...e era assim que tinha q ser. Podem até falar que não, podem nos odiar se soubéssemos que fomos. Eu nem sabia direito porque estava indo. Nunca é assim, eu quase sempre sei porque eu vou. Você quis pegar na minha mão naquela noite e você sabe que não poderíamos ter ido. Parecia que tudo fora armado. Os deuses lá estavam apostos. Hermes possivelmente conversou com Dionísio e juntos nos pregaram uma peça. Não me importo mais em ter ido. Quando acordei na manhã seguinte decerto senti que os deuses estavam nos apontando. Palas Atena estava possessa mas já era tarde...eu tinha ido. Você me levou, você me levou. Não quero te fazer responsável por isso. Saiba que se você não tivesse pego na minha mão eu te arrastaria. Roubaria você naquela noite.
Fomos. E agora? Agora eu estou aqui. É dia e meus pensamentos derretem. Lembro daquela noite. Meu corpo ainda te sente. Não poderia pensar. Não sou justa. As divindades, os bons costumes, os valores...que me perdoem mas eu fui. Penso nisso tudo e quebro meu pensamento em pedaços. Sentimentos espalhados. Desejos concretos naquela sala de estar onde fomos parar levados pela madrugada que apenas havia começado naquela rua que eu não tinha planejado passar. Tudo culpa de Nix. Nix me devora sempre e quando ela me engole com vontade eu sou outra e sendo assim sou a mesma.
Eu fui naquela noite. Fui porque tinha que ir. Era tarde e eu não saberia mais voltar de mim. A sala de estar foi nosso caminho.Fomos... e agradeço por você ter ido comigo.Você não soltou a minha mão, não soltou meu corpo e nem minha alma naquela noite.Agora é dia, é outro dia e possivelmente não nos cruzaremos naquela rua novamente.
Há sempre engarrafamentos.

E. Alvarez

10 comentários:

Letícia disse...

Poderia ser lido ao som de Suede? :)

Letícia disse...

E ainda bem q vc foi. Arrependimento mata. :P

Danilo R G disse...

Querida Eve, gostei mto do texto.. aproveitei e dei uma olhada por todo o blog.. tah bem legal.. um gde bjo

Anônimo disse...

O que será que me cabe comentar? :P Apenas que esse texto parece um contraponto e complemento ao penúltimo. Ambos igualmente muito bons, mas esse último me pareceu melhor ainda.

Só acho que a música de acompanhamento do texto deveria ser algum blues mais lento, quem sabe, e não "Light My Fire", demasiado "elétrico" para o contexto de uma narrativa interior sincera e arrebatada sim, mas não apresentando uma maior violência ao longo de sua descrição em razão disso.

O penúltimo texto sim é bem violento se comparado a esse último e poderia requerer uma trilha sonora desse jaez para esse tipo de "paisagem interior" descrita, se me faço entender bem. :)

Parabéns mais uma vez!

Beijos!

P.S.: "O elogio é mais inconveniente do que a censura". (Friedrich Nietzsche) :)

Anônimo disse...

"Fui"..."Vou"..."Sou"...não importa o tempo, se "fui" ficou a lembrança, se "vou" fica a ânsia de ser tudo perfeito, se "sou" devo ser/viver intensamente!

Seu texto é lindo meu anjo, gostaria de ouvi-lo de sua boca... ficaria perfeito com uma musica de Isabella Taviani chamada "Ternura".

Um afeutoso beijo!

Cla disse...

Muito bom!As surpresas que a noite traz,melhor sempre ir do que ficar!
=)

Eveline disse...

*Alice... eu fui? O personagem quem foi. :)

*Dan... Bj. SAudade.

*gabriel... Light my fire tinha q ser a música do texto mesmo. :)

*Az... não conheço a música ternura...

* Clarissa... :)

Betomenezes disse...

gostei, mas do que o penultimo... =)

Dionísio e a Revolução do Orgasmo disse...

Uma sala de estar afogando & chamando seres noturnos num ritual de antrofagia. Os faróis foram acessos, não há gritos a dar ao mundo interior. Chamarmo-nos a nós mesmos é o que importa, temos que nos revelar & não há justiça nisso. Quando acabamos por nos desvelar reconhecemos os espelhos selvagens infestados de medo & desejo. Temos que olhar nossas faces nuas, ali, desvendar os nossos mitos & amar nossa feiúra.

"Não poderia pensar. Não sou justa."

Se existisse a justiça o ódio seria bemquisto, o amor seria bemquisto... mutilaríamos as separações, abraçaríamos o mais distante & o mais absurdo de nossas índoles. Subterraneamente nossos "eus" gemem, gritam, se eriçam... eles querem ser ouvidos, eles precisam disso.

Light My Fire representa para mim uma transição entre um estado letárgico do dia de uma personalidade sonambúlico até a efervescência marginal & criativa do ser noturno que nasce & provoca realmente o nascimento de uma nova fase do espírito. E não há mentiras, porque igualmente não há verdades, não há o que DEVE ser dito... as palavras são soluções temporárias para o corpo que não necessita mais de se plantar no silêncio. Desenraízado daquele estigma passivo, frio, racional, o corpo desvela o mapa do Ser & do mundo... & revela a linguagem de DEUS = o desejo.

Anônimo disse...

ai, ai..os engarrafamentos, os cruzamentos, conexões...

ei, tem tarefa de casa pra tu aqui:
http://karameloazul.wordpress.com/2007/11/06/tarefa-da-pagina-161/

beijo