domingo, 25 de novembro de 2007

A Bailarina e o Anão de Circo


(Para ler ao som de All I want is you – U2)
A noite é lilás e o anão de circo triste dança ao meu redor. Ele diz que a bailarina se foi e que o espetáculo da noite não será o mesmo.


A ausência do outro é a dor. O balé dançado nas noites frias já não existe. A melodia agora é apenas o som de uma harpa chorosa.
A tenda do circo é velha, cansada, e dilacerada pelo tempo. A chuva é uma preocupação constante e o luar é o elemento que o salva da escuridão fria da noite.
Há sempre palhaços. Há sempre risos, mas quando a noite acaba a cama de palha parece do tamanho do circo. O anão de circo enche a cama de travesseiros para que ela pareça menor, menos triste e menos fria. Há gritos dos animais famintos. Dançarinas se aproximam de sua cama. Tentam seduzi-lo. Ele tomado por sentimentos lascivos se entrega ao ritual noturno como um anjo de asa deformada. Litros de vinho são derramados pelos corpos tristes e tórridos. A noite grita. Falsas gargalhadas são hinos e gemidos são canções.
As dançarinas se vão, o vinho acaba. A noite foi vomitada. O anão de circo chora a ausência da bailarina. A bailarina que o amou, a bailarina que chorou junto com ele. A bailarina que um dia foi encontrado em um cinema velho de uma das cidades de interior onde o circo passava. A bailarina que se apaixonou pelo anão de circo e seguiu vida com ele.
A bailarina aprendeu muitas coisas no circo. Entregou-se a dança que fora sua grande paixão. Dançava horas ao som do Quebra Nozes. Dançava feliz naquela lona suja com suas sapatilhas rasgadas e depois deitava nua na cama do anão de circo e ao som das cigarras se amavam por horas. Depois de olhares sorridentes e gemidos agudos ficavam em silêncio sentindo ainda os espasmos da noite.
O anão descobriu o amor, sentiu-se vivo nos braços da bailarina. Aprendeu que a vida é tão forte como um soneto de versos livres. Aprendeu que o amor não é motivo de feriado e nem vem entregue num trenó. Aprendeu tanta coisa, inclusive a sorrir. Sorrir de barriga cheia ou vazia, sorrir durante a apresentação do globo da morte. Aprendeu a chorar tomado pela felicidade de amar a bailarina de sapatilhas rasgadas. Ela que quase não falava. Ela que apenas o surpreendia a cada amanhecer. Ela que dançava o Quebra Nozes e não ganhava quase nenhuma moeda durante a noite.
O anão de circo era feliz porque amava a bailarina e ela o fazia se sentir ele mesmo. Com ela, ele existia mais. As noites do anão de circo eram felizes, mas um dia ele acordou e ao invés de encontrar sua bailarina nua, encontrou um bilhete que dizia: "A ausência do outro é a dor. O balé dançado nas noites frias já não existe. A melodia agora é apenas o som de uma harpa chorosa." Nunca mais a viu.

E. Alvarez

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

For my grasshopper...


There's a lack of something.
Night is just a sign of love. Everybody is together and this is the most important thing at the moment. People, souls, life, feelings, pain. It’s a mix of everything. Poetry guides us. Wine just let us live. Movies, laugh, drinking, smoke, love, passion, dream... everything and everybody is here. Everybody is crazy. Everybody is saying nice words. Everybody danced, everybody listened to the Little Epiphanies ...I remember just a way that is far from here at the moment. I get worried and I pray for the angels to guide the dark souls. That two lovely, crazy... dark and poetic souls.
There is a soul that I miss tonight. This soul is everybody’s souls. It’s part of us. This soul is just spreading poetry everywhere. Probably writing drafts in a dirty bus or just drinking a bottle of the cheapest wine. It doesn’t matter what is going on…it’s just going on and I think of this lost and the great soul. I say that you should be here but you aren’t. You’re just seeking for the deepest part of life…looking for roots, leaves, roses, night, poetry, light, darkness.
Night is just a beginning of a thought…it’s just to remember of a valuable jewel, a friend… my grasshopper... wherever you are now.

E. Alvarez

domingo, 11 de novembro de 2007

A Borboleta de Asas Roxas


Chegue bem perto de mim. Me olhe, me toque, me diga qualquer coisa. Ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada…Caio Fernando Abreu

Era apenas uma borboleta naquele fim de tarde. Eu sempre gostei de borboletas mas nunca consegui trazê-las para perto de mim. Já tentei agarrá-las algumas vezes mas elas sempre escapam. Tão sensíveis, asas coloridas, mas de expressão chorosa. Naquela tarde eu estava tão tomada pelo senso comum das coisas que eu quase não percebi a presença daquela borboleta de asas roxas pertinho de mim. Quando a percebi fiquei com aquela cara de boba. Cara de quem sempre quer mais. Eu a quis naquele momento. Ela estava tão perto e suas asas eram serenas e parecia não querer se mover. Tive medo de tentar uma aproximação e ela sair voando e me deixar ali, naquele estado, contaminada pelo meio comum, pelo dia-a-dia. Fui me aproximando devagarzinho, assim como faço como as coisas me despertam. As vezes eu até quero me jogar ao desejo.
Bem, o caso é que ela estava ali, pronta pra ser vista, ser apreciada mas talvez nunca tocada. Eu não sabia se eu poderia ir. A hora corria e eu tinha que pegar o ônibus para ir me escravizar e assim pagar as contas do fim mês. Era só isso que sentia. A eterna mistura de sentimentos. Ficar ali apreciando a borboleta ou ir para o que me roubava de mim mesma. Eu queria ficar, já estava quase rendida. Não tinha mais forças, eu precisava estar ali olhando para aquele ser frágil que a cada segundo me transformava, uma simples borboleta de asas roxas. Não hesitei então, dei passos discretos para que ela não percebesse minha presença. Ela parecia imóvel, pousada naquele tronco de árvore que parecia querer engoli-la. Quando cheguei perto, tive medo. Quase sempre tenho medo. Medo do que as aproximações possam me trazer. Tenho medo de me encontrar no outro.
Estava a poucos metros da borboletinha quando decidi parar e acender um cigarro. Sentei num banquinho que havia perto e apenas a olhei, assim como se olha para as coisas mais leves que se pode encontrar no caminho. Não pensei em muita coisa. Pensar as vezes estraga.
Ao observá-la um pouco mais de perto, percebi que uma das suas asas estava levemente rasgada. Ela não era perfeita. Não importava, eu a queria da mesma forma, com a mesma beleza estranha, escura, fúnebre, com aquela cor que me dilacerou naquele fim de tarde.
Eu já havia esquecido do trabalho, certamente seria demita no dia seguinte. Ninguém mais agüentava mais ouvir minhas verdades, opiniões, meus poemas em versos brancos, o meu silêncio. Todos os dias eu esquecia de bater o cartão de ponto. Eu sempre me atrasava porque eu acordava com uma poesia na cabeça.
Levantei do banco, dei mais alguns passos e levantei a minha mão para assim começar a tentativa de um alcance. Estava tomada por um impulso desconhecido de ir. Hesitei. Pensei o porquê de eu querer ir e que sentido tinha aquilo tudo. Eu já não sabia. Era uma bagunça mental enorme e vários sentimentos tentando ser embrulhados. Neste momento via as asas da borboleta se mexendo lentamente. Era como uma piscadela humana. Um sinal. Não agüentei mais. Minha respiração já estava alterada. Eu estava nervosa. Meu corpo dava sinais. Eu nem lembrava mais que eu estava numa rua comum, cheia de carros loucos, aquela fumaça sufocante e esperando um ônibus para ir ao meu desencontro. Queria gritar, queria sair correndo mas ao mesmo tempo eu queria estar ali, eu e a borboleta de asas roxas.
Depois do sinal que ela me deu com suas asas frágeis eu finalmente me aproximei dela. Fui e ela não parecia se importar com a minha presença. Não voou, pelo contrário, batia as asas cada vez mais forte. Parecia que estava feliz e mostrando o que tinha de mais bonito, as asas. Ela não se importou que uma de suas asas estivesse rasgada. Ela parecia feliz e o que senti foi que ela me queria ali. Talvez ela estivesse me chamando para voar junto com ela, para que ela não ficasse ali sozinha. Acho que ela tinha medo de voar também.
Eu fiquei confusa não sabia como responder aquele chamado tão doce. Queria ir, queria voar, queria sentir como aquela borboleta de asas roxas.Queria até mesmo ter asas para que uma delas fosse rasgada. Queria voar sem direção definida. A Olhei , olhei de novo e mais uma vez ela bateu as asinhas. Não fiquei mais. Virei as costas. Não tive coragem de olhar para trás. Talvez ela tenha entendido que ainda estou no meu casulo.

E. Alvarez