(Para ler ao som de All I want is you – U2)
A noite é lilás e o anão de circo triste dança ao meu redor. Ele diz que a bailarina se foi e que o espetáculo da noite não será o mesmo.
A ausência do outro é a dor. O balé dançado nas noites frias já não existe. A melodia agora é apenas o som de uma harpa chorosa.
A tenda do circo é velha, cansada, e dilacerada pelo tempo. A chuva é uma preocupação constante e o luar é o elemento que o salva da escuridão fria da noite.
Há sempre palhaços. Há sempre risos, mas quando a noite acaba a cama de palha parece do tamanho do circo. O anão de circo enche a cama de travesseiros para que ela pareça menor, menos triste e menos fria. Há gritos dos animais famintos. Dançarinas se aproximam de sua cama. Tentam seduzi-lo. Ele tomado por sentimentos lascivos se entrega ao ritual noturno como um anjo de asa deformada. Litros de vinho são derramados pelos corpos tristes e tórridos. A noite grita. Falsas gargalhadas são hinos e gemidos são canções.
As dançarinas se vão, o vinho acaba. A noite foi vomitada. O anão de circo chora a ausência da bailarina. A bailarina que o amou, a bailarina que chorou junto com ele. A bailarina que um dia foi encontrado em um cinema velho de uma das cidades de interior onde o circo passava. A bailarina que se apaixonou pelo anão de circo e seguiu vida com ele.
A bailarina aprendeu muitas coisas no circo. Entregou-se a dança que fora sua grande paixão. Dançava horas ao som do Quebra Nozes. Dançava feliz naquela lona suja com suas sapatilhas rasgadas e depois deitava nua na cama do anão de circo e ao som das cigarras se amavam por horas. Depois de olhares sorridentes e gemidos agudos ficavam em silêncio sentindo ainda os espasmos da noite.
O anão descobriu o amor, sentiu-se vivo nos braços da bailarina. Aprendeu que a vida é tão forte como um soneto de versos livres. Aprendeu que o amor não é motivo de feriado e nem vem entregue num trenó. Aprendeu tanta coisa, inclusive a sorrir. Sorrir de barriga cheia ou vazia, sorrir durante a apresentação do globo da morte. Aprendeu a chorar tomado pela felicidade de amar a bailarina de sapatilhas rasgadas. Ela que quase não falava. Ela que apenas o surpreendia a cada amanhecer. Ela que dançava o Quebra Nozes e não ganhava quase nenhuma moeda durante a noite.
O anão de circo era feliz porque amava a bailarina e ela o fazia se sentir ele mesmo. Com ela, ele existia mais. As noites do anão de circo eram felizes, mas um dia ele acordou e ao invés de encontrar sua bailarina nua, encontrou um bilhete que dizia: "A ausência do outro é a dor. O balé dançado nas noites frias já não existe. A melodia agora é apenas o som de uma harpa chorosa." Nunca mais a viu.
E. Alvarez
10 comentários:
A ausência, a noite fria...
Às vezes a frieza se extende além dos domínios da noite, e os pensamentos permanecem na escuridão mesmo durante o dia.
Amar é uma faca de dois gumes né? É um sentimento um pouco extremista... se conhecemos o amor, somos felizes ou tristes nele.
=]
Q bonito!Pois é né,amor e desamor,encontros e desencontros,cara e coroa,certo e errado,as duas faces de tudo na vida!
Essa história de "A Bailarina e o Anão de Circo", fez-me lembrar aquela dito popular que diz "para todo pé cansado existe um sapato velho"...
;)
Olah!!
Vi seu blog no orkut!!
Passa no meu blog tb, e comenta:
http://blogdapattyandrea.blogspot.com
Quando é o lançamento do livro?
Tô ansiosa! :P
Bjos!
É... já, já é preciso lançar o livro com a coletânea dos melhores textos mesmo, como Valeska afirmou. ;)
Beijos!
"A ausência do outro é a dor" e essa dor a maioria das vezes é silente...nós precisamos de escritores como você para externalizar: a dor, as ausências, os pequenos-grandes momentos que são a Vida.
Indiscutivelmente o texto é magistral, de uma escritura bem feita, bem desenhada... Mas a dor do anão de circo transmite uma dor cruelmente mortal ao peito daqueles que compõem a platéia.
Love ya!
estava olhando o rokut e suas incriveis comunidades até chegar aqui, e dar de cara com um texto tão bonito...
essas histórias fazem bem para a alma de quem vêm a lê-las;
com toda a certeza, voltarei aqui mais vezes...
"Nunca mais a viu"
(bom final)
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