domingo, 11 de novembro de 2007

A Borboleta de Asas Roxas


Chegue bem perto de mim. Me olhe, me toque, me diga qualquer coisa. Ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada…Caio Fernando Abreu

Era apenas uma borboleta naquele fim de tarde. Eu sempre gostei de borboletas mas nunca consegui trazê-las para perto de mim. Já tentei agarrá-las algumas vezes mas elas sempre escapam. Tão sensíveis, asas coloridas, mas de expressão chorosa. Naquela tarde eu estava tão tomada pelo senso comum das coisas que eu quase não percebi a presença daquela borboleta de asas roxas pertinho de mim. Quando a percebi fiquei com aquela cara de boba. Cara de quem sempre quer mais. Eu a quis naquele momento. Ela estava tão perto e suas asas eram serenas e parecia não querer se mover. Tive medo de tentar uma aproximação e ela sair voando e me deixar ali, naquele estado, contaminada pelo meio comum, pelo dia-a-dia. Fui me aproximando devagarzinho, assim como faço como as coisas me despertam. As vezes eu até quero me jogar ao desejo.
Bem, o caso é que ela estava ali, pronta pra ser vista, ser apreciada mas talvez nunca tocada. Eu não sabia se eu poderia ir. A hora corria e eu tinha que pegar o ônibus para ir me escravizar e assim pagar as contas do fim mês. Era só isso que sentia. A eterna mistura de sentimentos. Ficar ali apreciando a borboleta ou ir para o que me roubava de mim mesma. Eu queria ficar, já estava quase rendida. Não tinha mais forças, eu precisava estar ali olhando para aquele ser frágil que a cada segundo me transformava, uma simples borboleta de asas roxas. Não hesitei então, dei passos discretos para que ela não percebesse minha presença. Ela parecia imóvel, pousada naquele tronco de árvore que parecia querer engoli-la. Quando cheguei perto, tive medo. Quase sempre tenho medo. Medo do que as aproximações possam me trazer. Tenho medo de me encontrar no outro.
Estava a poucos metros da borboletinha quando decidi parar e acender um cigarro. Sentei num banquinho que havia perto e apenas a olhei, assim como se olha para as coisas mais leves que se pode encontrar no caminho. Não pensei em muita coisa. Pensar as vezes estraga.
Ao observá-la um pouco mais de perto, percebi que uma das suas asas estava levemente rasgada. Ela não era perfeita. Não importava, eu a queria da mesma forma, com a mesma beleza estranha, escura, fúnebre, com aquela cor que me dilacerou naquele fim de tarde.
Eu já havia esquecido do trabalho, certamente seria demita no dia seguinte. Ninguém mais agüentava mais ouvir minhas verdades, opiniões, meus poemas em versos brancos, o meu silêncio. Todos os dias eu esquecia de bater o cartão de ponto. Eu sempre me atrasava porque eu acordava com uma poesia na cabeça.
Levantei do banco, dei mais alguns passos e levantei a minha mão para assim começar a tentativa de um alcance. Estava tomada por um impulso desconhecido de ir. Hesitei. Pensei o porquê de eu querer ir e que sentido tinha aquilo tudo. Eu já não sabia. Era uma bagunça mental enorme e vários sentimentos tentando ser embrulhados. Neste momento via as asas da borboleta se mexendo lentamente. Era como uma piscadela humana. Um sinal. Não agüentei mais. Minha respiração já estava alterada. Eu estava nervosa. Meu corpo dava sinais. Eu nem lembrava mais que eu estava numa rua comum, cheia de carros loucos, aquela fumaça sufocante e esperando um ônibus para ir ao meu desencontro. Queria gritar, queria sair correndo mas ao mesmo tempo eu queria estar ali, eu e a borboleta de asas roxas.
Depois do sinal que ela me deu com suas asas frágeis eu finalmente me aproximei dela. Fui e ela não parecia se importar com a minha presença. Não voou, pelo contrário, batia as asas cada vez mais forte. Parecia que estava feliz e mostrando o que tinha de mais bonito, as asas. Ela não se importou que uma de suas asas estivesse rasgada. Ela parecia feliz e o que senti foi que ela me queria ali. Talvez ela estivesse me chamando para voar junto com ela, para que ela não ficasse ali sozinha. Acho que ela tinha medo de voar também.
Eu fiquei confusa não sabia como responder aquele chamado tão doce. Queria ir, queria voar, queria sentir como aquela borboleta de asas roxas.Queria até mesmo ter asas para que uma delas fosse rasgada. Queria voar sem direção definida. A Olhei , olhei de novo e mais uma vez ela bateu as asinhas. Não fiquei mais. Virei as costas. Não tive coragem de olhar para trás. Talvez ela tenha entendido que ainda estou no meu casulo.

E. Alvarez

12 comentários:

VaneideDelmiro disse...

Valeu a pena esperar tanto por uma nova postagem sua. O texto é tocante, sensível e torna qualquer comentário dispensável. De qualquer modo, penso que a partir desse encontro, o teu casulo já não é o mesmo e a borboleta, essa também não.

Anônimo disse...

sweet.

Cla disse...

atualizou!!!hehe
muito bonito o texto,muito sentimento sendo transmitido nas linhas e entrelinhas,e texto bom é assim mesmo!
tem ate uma frase dele q vou copiar,mas nao se preocupe q coloco autoria!hehe
parabéns pelo texto!

Anônimo disse...

"A grande BORBOLETA
Leve numa asa a lua
E o sol na outra
E entre as duas a seta" C. Veloso

Liiiiiiindo vôo do alter ego!! Todos sonhos foram alterados pela doçura dos lábios que jorraram no conto, os versos da poeta.

:***

Anônimo disse...

Depois de ler esse texto, uma simples pergunta me ficou na cabeça: Eveline Lispector? :)

Beijos!

Roberto Denser disse...

eveline lispector?

:O

Iris Helena disse...

tão lindo o teu texto, amiga!
Tu sabes que eu adoro ler coisas assim. Você está ótima.


:*

Letícia disse...

Estamos todos "contaminados pelo meio comum".

Eveline disse...

Gabriel...nada de Eveline Lispector... eu quero ser sempre Eveline ALVAREZ !!

Anônimo disse...

Muito bonito o texto, Evinha!
Te adoro!
A vida é uma sucessão de cásulos! Talvez só a morte nos liberte deles.

Beijão!

Anônimo disse...

Eveline Alvarez Lispector :D ou Eveline Lispector Alvarez :P. A primeira opção me parece soar melhor aos ouvidos :).

Se minha memória não falha, há algum tempo alguém ou você se chamava assim, não? Tenho uma vaga lembrança de que Eveline Lispector não é um epíteto tão inédito assim. ;) Dèjá vu...

De qualquer forma, a comparação não foi para afirmar que o seu último texto é um mero simulacro de Clarice, mas sim que é tão tocante quanto os melhores textos dela; e como você nunca escondeu ser fã incondicional dela, a comparação, a meu juízo, não poderia ser menos apropriada. :)

Minha preocupação mesmo em alguns momentos é que você acabe ficando "mimada" demais com tantos elogios não só meus, mas também de outros freqüentadores do seu blog.

Coloque a frase de Nietzsche em frente ao espelho, aquela em ele disse ser o elogio mais inconveniente do que a censura, para sempre se lembrar da nossa constante necessidade de aprimoramento. E viva o nosso inventário de fracassos. :O

Mas, felizmente, até agora, os seus textos não estão sofrendo nenhuma perda de qualidade :) Ao contrário, o mais recente apresentou variação de tema, tom e estilo em relação aos dois ou três outros anteriores. O caminho a seguir é esse mesmo.

Não há jeito... No varejo ou atacado, eu acabo escrevendo algum comentário quilométrico cedo ou tarde. Pensei que dessa vez fosse diferente. Minha "verborréia" e eu :P

Beijos!

Anna Oliveira disse...

Lindo. Mesmo.
Borboleta das asas roxas...
A minha tem as asas azuis... ;)
Beijosssssssssss!