"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa." - Caio Fernando Abreu
(Para ler ao som daquela musiquinha boba)
É sempre assim na vida dele. Tudo vem como uma chuva fininha e ele quase não se dá conta. A chuva bate nele e ele quase não a sente. Ele chega em casa, toma um café, vai ler um livro e sem pensar em muita coisa vai dormir.
Por muito tempo ele não reconheceu um sentimento que o tomava.
Sempre rindo, sempre debochando quando falavam naquela menina escritora. Ela o incomodava. Por várias vezes a recriminou por comportamentos estranhos que ela tinha. Eram amigos mas mesmo assim havia um estranhamento quando ele estava perto dela.
Era uma tarde de quarta-feira. Ele saiu de casa, pegou o ônibus e colocou aquela musiquinha em seu mp4. A música começou a tocar e em meio da anulação do barulho ele percebeu a importância daquela jovem escritora na vida dele. Tudo culpa daquela musiquinha, aquela musiquinha boba que ela havia sugerido sem maiores intenções. Tomado por um sentimento de raiva descobriu que a queria, queria a tal amiga, a tal escritora. A desejou e sentiu que queria passar os dedos em seus lábios. Queria sentí-la, queria tocá-la ...aquela que achou que sempre seria a sua eterna amiga escritora.
Ele sabia que nada poderia fazer em relação a tal descoberta. Ela era apenas uma jovem que sonhava em ser escritora e queria sair ganhando o mundo em busca de vivências e palavras para o seu próximo livro. Ele era tímido demais para chegar até ela. Eles nunca estavam sozinhos e falavam apenas de assuntos que estivessem ligados ao mundo literário. Ela jamais saberia. Todo um possível sentir era desligado de uma realidade cotidiana dos dois. Sentimentos distintos da amizade não pertencia ao mundo deles juntos. Ele sabia que ela já era de alguém, mesmo que ela não confessasse.
Ele sabia que se um dia a tivesse em seus braços o risco de destruição entre os dois era alto demais. Poderiam até se amar mas o ideal era que ela nunca soubesse do sentimento sem nome que ele tinha por ela. Ele nunca soube definir o que sentia. Nunca nomeou. Ele não precisava saber o que sentia. A explosão do descobrimento do sentir que ela o causava já era suficiente. Na verdade não precisavam nem estar perto para existirem juntos. Ela era um poema e ele um romance escrito em bar. Ele sabia que ela não era o que ele precisava mas sim o que ele queria e entre esses dois há sempre um não estar junto. Ele sabia que ela não o queria, talvez ela até precisasse dele...mas não o queria. Estavam ligados de alguma forma. Não importava como. O que importava é que ele sabia de um sentimento sem nome descoberto através daquela musiquinha boba.
E. Alvarez