sexta-feira, 20 de junho de 2008

Dois Meses, Dois Dias e Duas Horas no Jardim

Verticalmente, decepo os caules das rosas que Linda traz do jardim, de tardezinha troco a água dos vasos para que durem mais. Com a flanela elimino a poeira da luneta de Virgínia, para que não se embacem os astros, os destinos. Nunca agradecem. E nada espero. Pouco me importavam os cães lá fora, pouco me importavam o terror e a loucura soltos.
(Caio Fernando Abreu in Oitavo Fragmento da Décima Terceira Voz)




Era fim de tarde e mais uma vez ela quis ir àquele jardim. Era um jardim a princípio comum, sem muitos diferenciais que chamassem sua atenção. Nem suas flores preferidas estavam lá. Tudo isso era estranho, mas esse jardim despertava nela uma inquietude de fim de tarde. O encontro com o jardim foi repentino e sem muitas expectativas. Aos poucos ela foi observando cada detalhe, cada senda de rosa, cada flor e tudo isso tinha um cheiro que a deixava em paz por instantes. Era o instante dela e do jardim. Nada poderia causar a quebra de sentimentos que havia ali; nem um caminhão que soltava fumaça quando passava insistentemente pelo jardim. Essa fumaça deixava o jardim sem vida por instantes mas logo depois ele voltava a respirar e assim Carolina podia sentir o jardim novamente.
Os dias foram passando e a necessidade de Carolina pelo jardim aumentava. Havia dias que queria estar mais tempo naquele jardim. Quando ali estava, tinha vontade de fazer muitas coisas: escrever, sentir cheiros, ficar em silêncio, ler e até comer coisas que nunca havia provado. O jardim era um lugar de possibilidades. Ela foi percebendo que o jardim havia mudado algo nela. Mesmo que não soubesse o quê, apenas o sentia. Essa mudança era arriscada porque ela havia conhecido muitas coisas em si própria. Era quase uma Macabéia Clariciana;cheia de dúvidas e com a curiosidade aguçada para descobrir o mais que o jardim mostrava. Era certo que Carolina ficava triste quando o caminhão passava jogando aquela fumaça.
Carolina foi se encantando cada vez mais pelo jardim e por tudo que ele fez para transformá-la. Era uma relação mútua. As flores pareciam sorrir quando Carolina chegava. A grama verde molhada e escorregadia exalava odores diferentes ao sentir a presença de Carolina. As tardes curtas tinham cheiros.
Durante dias Carolina continuou a ir ao jardim e descobrir coisas bonitas nele e nela própria. Ambos se sentiam, se gostavam e necessitavam um do outro, mesmo com o fantasma do caminhão que passava ali há dois anos. Já ela só conhecia o jardim há pouco tempo, poucos dias, poucas horas.
As vezes Carolina sentia que a fumaça do caminhão deixava o jardim diferente, distante dela. Havia uma dependência enorme entre o jardim e a fumaça e Carolina demorou a perceber isso. A água que Carolina regava as flores era forte mas sabia da existência da fumaça e tinha medo que aquela fumaça estragasse suas visitas ao jardim. Mesmo percebendo a constante presença do caminhão que jogava fumaça, ela ainda assim tentou ir sempre ao jardim. Regava as flores, deitava na grama, sentia o cheiro. Sentia saudade de estar ali muitas vezes.
Carolina continuou a ir ao jardim, mas numa certa noite em que ela estava lá, viu o caminhão passar e logo percebeu claramente que a fumaça era muito mais forte do que ela imaginava ou não queria imaginar. Sim, a verdade era que o jardim era dependente da presença do caminhão e da fumaça que o acompanhava. Carolina viu que sua presença ali já não era tão necessária e o jardim a quis ali, mas que na verdade a vida dele dependia do caminhão e sua fumaça. Não importava o quanto ela regasse as flores. Ele não se alimentava assim.
Carolina beijou intensamente a grama verde, molhada e escorregadia pela primeira vez e saiu do jardim naquela noite. Não podia voltar. O jardim já não a queria ou não estava pronto para receber aquela água todos os dias.
O importante é que lá Carolina esteve e tudo durou dois meses, dois dias e duas horas.
E. Alvarez

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quase sem Rima



Despeito sem jeito
Respeito fora de eixo
Paixão pedindo não
Vento segurado pelo tempo
Palavra jurada e atada
Senso não denso
Poesia atada e vomitada
Verso barato
Pouca lucidez misturada à frigidez
Frieza
Dor
Calor
Sentimentos desconexos e o
Amor que acaba rimando com dor, mas também com frescor
Paixão rima com não e
Minha embriaguez rima com a tal poética lucidez
Música sempre rimou com Chico e agora também com Caetano
Tempo rima com um vão e escuridão, mas
Certeza rima com destreza
Mentira rima com ira
Não tenho a isometria de Camões, mas tenho uma quase sínica maestria
E a minha má poesia rima querendo quase não rimar com a minha anemia de desconhecimento de versos, que são quase brancos, incertos e desconexos.


E. Alvarez

sábado, 7 de junho de 2008

A Espera



Te esperei tanto que meus versos cansaram
Nem cigarro para acender um verso tenho
Meu amargo café e minhas rimas acabaram.


E. Alvarez