sábado, 23 de agosto de 2008

Minha Vida sem Mim

Para Pablo Villaça

"No-one's normal, Mom. No such thing as normal people" (Ann - Personagem do filme Minha Vida sem Mim



É sábado e você quer ver um filme novo, mas sempre tende a querer rever os seus filmes preferidos.Excitada por transformar a sua tarde, corre para sua estante e pega Minha vida sem mim. Você já sabe as falas das personagens. Você já conhece o fim e o fim não é um fim na verdade. O filme se estende pra sua vida. Estende-se por seu corpo e seu corpo exala o cheiro dele. Sim, filmes tem cheiro e esse tem cheiro de chuva forte.Você assiste, assiste e o fim não muda. Faz um café. Você nunca faz café quando você está sozinha porque café também tem cheiro de solidão. Tudo tem cheiro pra você, até mesmo saudade. Saudade presente e você só assiste ao filme. De repente as imagens fogem aos seus olhos e você é levado pela trilha sonora. Você percebe que Senza Fine de Gino Paoli tem cheiro também e busca um nome pra tal aroma. Você se confunde. Procura um porque para tal sensação. Vê que é quase impossível dar um nome pra esse cheiro que você sente . Nem tudo precisa ser nomeado. Você sabe que há coisas que estão nas entranhas e mesmo que não exista uma explicação para isso você continua a sentir. Não tem nome, só tem cheiro. Aquele tipo de cheiro que você sente nos fins de semana. Você percebe que o cheiro vai tomando forma e se enchendo de cores e que esse processo é tão intenso e doloroso que você precisa de mais um café, aquele típico café sem açúcar que você toma em lugares diferentes mas que essa tarde você precisa tomar na sua casa assistindo ao filme.
O cheiro já são cores e você quer dançar com as cores como Mark Ruffalo e Sarah Polley dançaram no filme. Você já não sabe o que real ou imaginário na sua vida. Suas relações amorosas de plástico, seu trabalho desinteressante, seu cachorro de pelúcia, seu sorriso mais cínico.
Você abre os braços no meio da sala e dança sozinha com a xícara na mão ouvindo mais uma vez Qué Emocion de Omara Portuondo e lembra da fala de Ann: “Life is so much better than you think, my love.” Voce repete a frase, repete a frase, repete e repete e quando você menos percebe você já está gritando: LIFE IS SO MUCH BETTER THAN YOU THINK, MY LOVE!!!! LIFE IS SO MUCH BETTER THAN YOU THINK, MY LOVE!!!! Você busca explicações pra sua vida ao dançar. O café está quase caindo da xícara e você não liga porque seu tapete parece limpo demais. Você limpa, limpa, limpa todos os dias e agora só quer dançar. Dançar e sentir o tal cheiro. De repente, depois de alguns minutos, você não consegue mais se concentrar na dança nem no cheiro porque os fantasmas semanais invadem o teu cérebro. O cérebro parece ter sido cortado ao meio pelas lâminas das mais idiotas preocupações. A música de Giolo parece a agora mudar de cor. A sala fica preta e branca como os filmes antigos e você fica muda interiormente. Que palavras sairiam na tela nos anos 20 pra representar as linhas confusas do teu pensamento? Que palavras representariam seu olhar? Você fica estática. Já não tem forças pra segurar nem o café que já está quase frio. Não consegue dançar mais. Procura por uma bala de gengibre pra te salvar. Não tem, todas acabaram no fim de semana passado. Você começa a chorar porque a bala acabou.Você volta a olhar para tela e a personagem Ann já está com aquele olhar frio de desespero. Você já não sabe se está escutando Giolo ou Afonso Vilalonga. Só sabe que a música e o olhar de Ann tem cheiro. Você quer acabar de ver o filme, você quer que a música perturbante acabe mas você também sabe que você precisa daquilo tudo. Do cheiro, da música, da dança, do café, da bala de gengibre,do olhar de Ann, de Giolo. Você simplesmente precisa disso tudo para que a sua tarde termine e você saiba que "a vida é muito melhor do que você imagina, meu amor." THE END

E.Alvarez

domingo, 10 de agosto de 2008

Coisas Dominescas

Everyday is like sunday
Everyday is silent and grey.(Morrissey)


É verdade que esse é um dia bem cruel, caro leitor. Não estou sendo radical ou pessimista apenas sou realista a ponto de dizer que o domingo é o dia que possivelmente paramos para pensar em coisas que não pensamos no dia-a-dia. Completamos pensamentos que ficaram perdidos no sinal de trânsito, pensamos que ainda não terminamos de ler Madame Bovary ou não escrevemos um dos textos inacabados.
Passamos o dia as vezes rodeados de pessoas ou às vezes passamos este dia no silêncio ou na solidão, pior do que solidão a dois. Paramos e evitamos pensar, já pensando,no que as pessoas estão fazendo. Pensamos nos sorrisos compartilhados, nos suspiros dados e nas lembranças interrompidas. E você sabe que não faz parte disso. Pensamos que não estamos onde poderíamos estar ou quem poderia estar conosco. Aí então nos enganamos e lembramos que hoje é dia de programação idiota na TV, brincamos de estarmos sendo felizes,rindo das mesmas piadinhas sem graça.
Domingo é dia de pensar em passado e em futuro e o presente é nosso companheiro domingo cinza.
É dia de tomar café da manhã com calma e dormir mais. É dia de olhar a agenda telefônica e procurar pra quem ligar. Onde os fios da telecomunicação chegam realmente? Onde eles nos amarram ou fingem que estão ocupados? E quando você pega no telefone e não pode ligar porque não sabe onde uma simples ligação pode chegar. Melhor nem tentar, sendo agora pessimista.
Quantas vezes você já odiou o seu domingo? Quantas vezes chorou sozinho? Quantas vezes rezou pra que a próxima sexta-feira chegasse? Quantas cervejas já tomou?
Já percebeu que o domingo é um dia que se estende de uma ponta a outra com elementos opostos? Amor ou desamor ? Choro ou riso? Cerveja ou Vinho? Praia ou cama? Sexo ou sono? Globo ou SBT? Extremista, eu? Não, baby, realista.
Não se sintam aborrecidos por eu está falando algumas, mas só algumas verdades “dominescas”. Domingo também é dia de criar neologismos. Acabo de criar esse aí para que meu domingo não fique perdido.
Eu não tenho tido bons domingos. Já tive muitos. Desde que minha esposa foi embora com o amante e meu cachorro fugiu não sou o mesmo. Lembro hoje de tantos domingos floridos que tive e agora tudo é cinza. Entendam,não me importo com cores mortas durante um tempo porque sei que minha palheta vai colorir tudo de novo com um tempo. Domingos são totalmente mutáveis e essa é a esperança que eu tenho.
Não me julgue pessimista ou infeliz. Sou feliz, caro leitor. Minha felicidade também é ser realista e pedir pizza em fim de noite. Sofrendo ou sendo feliz tudo acaba em pizza, mesmo no domingo. O Engraçado é que as minhas pizzas de domigo são mais saborosas. Tudo porque eu tenho tempo de me concentrar em tais sabores.
Então...aproveite seu domingo de todas as formas. Chore ou sorria mas não deixe de ler textos bobos escrito num finalzinho de domingo. Não deixe de pensar nas atmosferas semanais mas lembre-se que as atmosferas “dominescas” sempre existirão, cheias de fantasmas, de descoloridos ou até mesmo floridas de falsos ou verdadeiros sorrisos.
Pense bastante no domingo porque quando você menos espera, você tem apenas cinco minutos antes que ele acabe e você possa fazer a melhor coisa do seu dia.

E. Alvarez

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Estações

Não, não me lembro bem o que aconteceu naquela época. Lembro que você dormia e eu pegava no sono te olhando. Tudo que tenho dentro de mim é a lembrança do meu inverno de sentimentos. Não me entenda mal, o inverno é a minha melhor estação, onde me encontro melhor.
Sim, vi você ali e não sabia ao certo o que sua imagem me causava. Confuso, eu levantava no meio da noite, acendia um cigarro e ouvia Cartola. Voltava pra cama e sua imagem era tão suave que eu quase não conseguia cerrar os olhos.
O dia chegava e você estava ali. Eu queria acordar primeiro só pra poder ver teus olhos tristes ainda fechados. É verdade, agora recordo que seus olhos eram tristes. Você me contou uma vez em meio aos nossos vinhos quase matinais que seu avô paterno sempre dizia: “Cresce, cresce, mas sempre vai ter esse olhar triste.” E acredito que você era triste de alguma forma. Você e aquele seu olhar de outono caído que só era apagado quando um sorriso primavera invadia seu rosto. Era mais um momento que eu gostava de te olhar e às vezes eu acho que você não entendia, ou algumas vezes você fazia aquela cara de inverno indefinido sem entender o meu olhar.
Eu juro que eu me perdia nesse seu olhar. Eu tentava ler cada um deles, mas nem sempre era possível. Uns eram transparentes, outros cinzas, outros doces e outros mal-humorados. Depois de um tempo resolvi que não iria mais querer entendê-los. Senti-los era o bastante.
Agora faz frio aqui e por isso é fácil lembrar o meu último verão com você. Nós não íamos à praia. Passamos as férias vendo todos os filmes do Ingmar Bergman e você acabou elegendo Persona como o seu preferido. Já eu fiquei com O Sétimo Selo. Lembro-me que passávamos horas falando do silêncio de Bergman e depois tínhamos os nossos próprios silêncios. Pena que verões assim acabam.
Hoje estou aqui, penso nos seus olhos e como eles me olhavam. Pergunto-me quase desesperado como foi que eu deixei você ir e porque você foi. Não sei se o tempo nos engoliu. Não sei se fui covarde, não sei se não percebi suas estações e não sei se não me percebi nelas. É sempre assim a covardia humana. Vivemos fugindo dos amores, das dores e até das cores. As danças nos convidam e quase despercebidamente não ouvimos nem a música tocar.
Já não sei bem mais o que digo ou o que sinto. Estou sendo arrastado pelo tempo. Passei por várias estações, mas só tenho a lembrança daquelas que via você dormindo.

E. Alvarez