terça-feira, 25 de setembro de 2007

Diálogo

Sim, era um fim de tarde e não era fria. Lá estava ela sentada naquela praça. Já havia sentado em outras. Já havia tido conversas. Já tinha sentido o que não queria sentir. Já havia encontrado o inesperado. Uma dança havia acabado. Ele, que tinha sentimentos por ela se aproximou...

- oi, moça... está bem?

- não

- quer conversar?

- não. Eu preciso ficar sozinha.

(silêncio)

- Eu fico puto mas eu entendo. Fica bem.

- sim, decerto amanhã estarei. Basta eu dormir...escrever, basta chorar, basta amanhecer.

- Eu não sei como agir.

- Não se preocupe. Amanhã eu estarei por perto. Hoje eu não faria bem pra você.

- Posso te acompanhar até o ponto de ônibus?

- Não. Já disse. Eu quero ficar sozinha.

- Certo. Tchau.

Ela sem olhar para trás foi caminhando e se perguntando o porque de algumas pessoas se recuzarem a sentir o vir dos sentires. Pouco depois, quando já se encontrava perto do ponto de ônibus virou o rosto e viu o rapaz cheio de ansiedades correndo para de novo encontrá-la. Ela virou e quase murmurando perguntou:

- O que houve?

- Não se preocupe, não vou te acompanhar. Eu só precisava fazer isso. Quer um trago?

- Isso o que?

- Isso.

(Ele parou. A olhou. Um olhar que durou uma eternidade de segundos.)

- Entendo. Isso foi a melhor coisa do meu dia. Obrigada.

- Eu não fiz isso só por você. Eu precisava. Alívio agora.

- Certo. Vou indo.

Ela sai caminhando numa lentidão que quase doía. Ele, depois de alguns segundos quase gritou:

- Adoro você

Ela olhou, ensaiou um sorriso e quase na mesma altura respondeu:

- Eu gosto de você.

O ônibus estava vindo. Ela teve que correr.

E. Alvarez

12 comentários:

Roberto Denser disse...

"- sim, decerto amanhã estarei. Basta eu dormir...escrever, basta chorar, basta amanhecer."

Situação comum num [re]encontro de grandes almas, diálogo profundo pra quem enxerga fundo! Me identifico com o texto, e sua naturalidade é terrivelmente perturbadora.

Roberto Denser

Dionísio e a Revolução do Orgasmo disse...

uma conexão de tristeza, amargura & vontade de entender o amor do outro mesmo quando estamos tão apartados...

muito sutil, o tom... bem.."minimalista", desliza quando lido & afaga o âmago por meio da decodificação do silêncio & da harmonia presente na alma quando perfurada pelos cristais das palavras... muito precisas, certeiras... calmas...melancólicas...

escutar a Mazzystar me ajudou a sentir bastante ele... a tristeza compartilhada pela narradora, distante & tão próxima do gueto emocional onde se encerra a personagem feminina...

belíssimo!

Letícia disse...

Finalmente algo para eu ler. :P

Letícia disse...

E mais... demorou esse incêndio, viu?

Anônimo disse...

sua subjetividade vai além do discurso direto. não gosto do direto; sua função desmerece o ser. a pulsação se altera ensurdecedoramente; cega meu pulso.

Anônimo disse...

Gosto da pergunta "O que é isso?" Devia ser o nome de um livro.

[estou tendo problemas ao confirmar o comentário. se vários iguais surgirem, deleta]

Anônimo disse...

quantos silencios gritantes

Thiago Barbalho disse...

(só um recado) Psiu, que coincidência, eu chego com uma fotografia dos waffles e vejo seu comentário sobre. Inclusive adorei o kwark (?) de morango sim, yumy.

Anônimo disse...

Texto simples, curto, mas bastante contundente; mas você já publicou aquele trecho que li em seu celular? Se ainda não, realmente merece.

Quem escreveu "Dionísio e a Revolução do Orgasmo" pouco acima?

Beijos!

Adriana disse...

E se falhar o amor
que outra fantasia invento?
E se o lobo ávido
der comigo sedenta e ambigua
e não me reconhecer?
Se falhar o construção
aproveito-me da linguagem:
minto.

Adriana disse...

Se falhar "a" construção...que ato falho! Deuses!!!

Ninno Amorim disse...

- Ela se foi... não! Ela não se foi, ficou cá grudada nos meus olhos. A dança que o vento soprou em seus cabelos ficará impregnada no meu juízo.

O ônibus seguiu seu destino: que destino?!

(barulho, muito barulho)

- Essa cidade está crescendo.

Ele sacou a foto de uma atriz quase famosa, linda... Guarda a foto na carteira pra lembrar da moça passageira que o ônibus levou.

Na foto ela está de costas, lendo um livro qualquer. Bem, não é um livro qualquer, mas ele não se interessa por livros mesmo...