"Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você”. (Caio Fernando Abreu in Carta Anônima)
É tão [in]delicado assim pensar quando penso em você. É tão injusto pensar em amor quando o que temos é apenas um surto de necessidade um do outro. Aquelas necessidades que aprecem em meio de tardes cinzas de outono. A vontade da gente é simples e intensa como a de comer algodão doce durante à tarde num parque de diversão. Aquela vontade que dá e passa. Vontades súbitas.Vontades de ser o que nem dá pra saber se é. A vontade irreal transpassa a realidade e eu às vezes insisto na tal [in]delicadeza quase [in]consciente que grita pela sua presença.
[In]Delicado é seu sorriso inexistente, teu não afago diante as minhas lamurias de fim de semana. Seu doce egoísmo me deixa uma ausência de memórias não vividas e seu sorriso rabiscado por mim é apenas uma tentativa de sentir aquele sentimento inomeável que existe entre nós; o seu fantasma e eu. A sua frieza inconseqüente me faz dançar em noites solitárias regadas por vodka barata e cigarros com gosto de querer insaciável.
É no fim semana quando o tempo chega mais quieto que eu começo a pensar em você. Dói mas eu não choro porque tão forte quanto a sua frieza é o meu choro interno. Acordo no meio da noite e coloco a mão ao lado e só sinto o travesseiro que nunca encostasses a cabeça. Ligo o som, escuto repetidamente a música daquela enjoada banda inglesa que eu nem sei se você gosta. Acendo o cigarro, lembro que não posso lembrar do que não existiu e só durmo quando não vejo mais luz da piola do cigarro.
[In]Delicada é a minha capacidade de lembrar de diálogos que nunca existiram e fazer deles o meu escudo de proteção contra sentimentos reais que certamente virão. Prefiro sentir você, que de fato nunca existiu. Prefiro ficar com a lembrança de um cheiro que nunca senti ou de lembrar dos nossos inventados gemidos. Os nossos orgasmos doces e indecentes, aqueles que anyway nunca estarão nas nossas lembranças.
Ah, meu [in] pensado e [in]delicado amor, fiquemos com nossos corpos desentrelaçados! Tudo deve ser impalpável entre nós. Tudo é belamente inventado. Tudo é seco e [in]existente.
Enjôo sempre quando tento lembrar do não você. Hoje, embriagada de café e cigarro, já vomitei a ausência de sua lembrança. O meu [in] delicado, [in] existente e sempre enjoado amor por você andam sempre juntos me perturbando num espaço de tempo [in] constante e [in] definido. Não sei se um dia o seu não sentir vai fazer com que você sinta o que não foi e nem poderia ser. Não sei se em meio a sua [in] delicadeza, você saiba que você até quis que nós fôssemos. Não, meu amargo fado, você sabe e eu sei que nunca seremos. Eu e minha loucura sempre tentamos te esquartejar em pequenos, pequenos pedaços de doce de gengibre com gergelim na minha não memória. Não adianta, você sempre volta, mais forte ou mais franco,dentro e fora da minha [in] delicada e [in]existente lembrança.
E. Alvarez
13 comentários:
O uso simples de pares de colchetes deixa claro boa parte da essência do texto. Feito de dúvidas, mastigado em reminiscências caídas em compridas madrugadas, a voz que fala esmorece e teme. E as tentativas paliativas de amenização da dor não servem, o que castiga, ser-dor.
Um texto que elabora um tempo pesado ou mítico, onde a fantasia talvez não use máscara nenhuma no baile noturno.
Um carinho, E.
Continuemos...
"Por uma estranha alquimia
você e outros elementos
quase fui feliz um dia
não tinha nem fundamento.
Havia só a magia
dos seus aparecimentos
e a música que eu ouvia
e um perfume no vento.
Quase fui feliz um dia
lembrar é quase promessa
é quase, quase alegria..."
Algo no seu texto me fez lembrar a bela composição de Antônio Cícero.
Sim, é verdade que o amor pode sobreviver de lembranças desacontecidas, por anos, anos a fio. Aliás, o amor é superação.
No entanto, que alma não se eleva,que lembrança não se eterniza diante de um "concreto" carinho?
Em 2009, desejo que permaneças ao relento, mas bem acompanhada.
Gostei muito do texto.
Eu li em primeiríssima mão!
E, claro, adorei.
=*
lembrei de ti. sempre volto hein.. feliz 2009. lindo texto
“É tão injusto pensar em amor quando o que temos é apenas um surto de necessidade um do outro”
Caso tivesse um marca texto, grifaria esse pedaçinho. Será que é assim tão injusto? Injustiça é o que temos no mundo, nas guerras, na fome. Acho que todo tipo de necessidade, ainda que carnaval, seja um tipo de amor. Amor covarde, talvez egoísta, mas não deixa de ser amor. Amor pela pele do outro, amor por si próprio.
Não se censure tanto e pondere a vontade de esquartejar aquele que, constantemente, te faz bem. Deixa voltar...Como é bom ter idas e vindas de sentido.
Oi Eveline..adoro seu blog...sempre q posso venho aki...eh gostoso, eh aconchegante...Bjkas e sucesso sempre
Dani - Vida Intima de Clarice
Como se necessariamente esse gosto de sede nos trouxesse apenas o sentir...
Beijos
Espero por mais textos aqui.
Um carinho, E.
Continuemos...
Obrigado pela visita. Prometo voltar com tempo e atenção .)
XinXin
"Irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei onde meu fôlego me levar."
Clarice Lispector in A Hora da Estrela
Gostei do seu blog, Eveline. Virei outras vezes lê-lo. Parabéns.
Como sempre achei ótimo. Você escreve muito bem minha querida. Continue assim, escrevendo para animar o cotidiano dos simples mortais. Amor x necessidade, como diz você, isso daria uma tese.Na minha opinião amamos aquilo que não necessitamos, ou que não dependemos. Pois amar aquilo do qual dependemos e necessitamos é facil demais, é uma inércia sentimental.Cuide-se. Bjos Carinhosos...
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